sábado, 28 de fevereiro de 2009

Pirilampos



"O meu avô dizia-me muitas vezes que um homem sem amigos não é nada. Pode ter tudo na vida, garantia ele, dinheiro, casas, mulher, filhos, saúde [...] mas se não tiver amigos é um infeliz, um pobre de pedir. Eu olhava o meu avô sem acreditar porque as pessoas crescidas são tão ignorantes e com tanta falta de sentido das coisas essenciais: nunca conheci nenhuma, por exemplo, que juntasse, como eu fazia, pirilampos numa caixa de fósforos para o caso de não haver electricidade. E punha bocadinhos de erva dentro para os bichos comerem, porque não há quem não saiba que os pirilampos adoram pastar."


António Lobo Antunes, "Quem salta do inferno cai no tecto do céu", in Visão, Janeiro 2009.

sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

Viver

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Ivam de Almeida Garrett, Na praça do relógio das flores, 1991.
Desenho aguarelado.
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qualquer tempo
é tempo
contratempo
sonho
é viver

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

Urgente

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Felicidade. Caligrafia chinesa.
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É urgente destruir certas palavras,
Ódio, solidão e crueldade,
Alguns lamentos,
Muitas espadas.
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É urgente inventar a alegria,
Multiplicar as searas,
É urgente descobrir rosas e rios
E manhãs claras.
...
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Eugénio de Andrade, "Urgentemente", in Antologia Breve.

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

Solidão

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Caspar David Friedrich, Monk at the sea, 1810.
Óleo s/ tela , 100x171,5cm.
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Nem aqui nem ali: em parte alguma.
Não é este ou aquele o meu lugar.
Desço à praia, mergulho as mãos no mar,
mas do mar, nos meus dedos, fica a espuma.
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Fernanda de Castro, "Três poemas da solidão", in E Eu, Saudosa, Saudosa.

terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

Ondinha





Deixa contar...
Era uma vez
O senhor Mar
Com uma onda...
Com muita onda...

E depois?
E depois...
Ondinha vai...
Ondinha vem...
Ondinha vai...
Ondinha vem...
E depois...
.
A menina adormeceu
Nos braços da sua Mãe...


Matilde Rosa Araújo, "História do Sr. Mar", in O Livro da Tila.

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

Amor, de tarde

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Es una lástima que no estés conmigo
cuando miro el reloj y son las cuatro
...
Es una lástima que no estés conmigo
cuando miro el reloj y son las cinco
...
Es una lástima que no estés conmigo
cuando miro el reloj y son las seis.
Podrías acercarte de sorpresa
y decirme «¿Qué tal?» y quedaríamos
yo con la mancha roja de tus labios
tú con el tizne azul de mi carbónico.
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Mario Benedetti, "Amor, de tarde", in Antologia poética, 1999.

domingo, 22 de fevereiro de 2009

Terra

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uma semente
um grão
uma seara
que não sabe a pão
grito da terra
profundo
terra. terra.
vida


sábado, 21 de fevereiro de 2009

Recomeçar

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Maria Tomaselli, Recomeçando, 2001.
Acrílico 100x130cm.
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Recomeça
Se puderes,
E os passos que deres,
Nesse caminho duro
do futuro,
Dá-os em liberdade
Enquanto não alcances,
Não descanses.
De nenhum fruto queiras só metade.


Miguel Torga, Recomeçar.

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

Livro

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Picasso, Mulher com livro.

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Um livro. Sempre.
Um livro que se escreve e não se escreve
ou se rescreve junto
ao mesmo mar.
...
Metáfora de cornos e pés-de-cabra.
Um livro. Esse buscar
coisa nenhuma.
Ou só o espaço
o grande interminável espaço em branco
por onde corre o sangue a escrita a vida.
Um livro.


Manuel Alegre, Um livro.

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

Tibete

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J.M. Jolidon, Tibet: cloches de prière.

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É melhor acender uma vela que amaldiçoar a escuridão.
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Provérbio tibetano.

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

Grito

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Misha Gordin, The new crowd, 1999-2001. Silver gelatin print size 25"x 38"

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Tenho mais almas que uma.
Há mais eus do que eu mesmo.
Existo todavia
Indiferente a todos.
Faço-os calar: eu falo.
...
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Ricardo Reis, "Tenho mais almas que uma", in Odes.

terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

Náufrago

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William Turner, Naufrago.
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El silencio del mar
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nunca sabré que espero de él
ni que conjuro deja en mis tobillos
pero cuando estos ojos se hartan de baldosas
y esperan entre el llano y las colinas
o en calles que se cierran en más calles
entonces sí me siento náufrago
y sólo el mar puede salvarme.
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Mario Benedetti, El silencio del mar.

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

Vou

...
...
vou.
com os pássaros.
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domingo, 15 de fevereiro de 2009

Lisboa

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Maluda, Telhados de Lisboa.
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Lisboa é esta janela de onde vejo
tudo o que se não vê que é o que há mais
em Lisboa onde se vê mesmo sem ver o Tejo
e onde cada varanda é sempre um cais.
...
Lisboa é esta praça e esta viagem
esta partida mesmo se parada
...
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Manuel Alegre, Praça João do Rio ou o segundo poema do português errante.

sábado, 14 de fevereiro de 2009

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

Agua Nocturna

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Van Gogh, Noite estrelada sobre o Rio Rhone, 1888.

Si abres los ojos,
se abre la noche de puertas de musgo,
se abre el reino secreto del agua
que mana del centro de la noche.

Y si los cierras,
un río, una corriente dulce y silenciosa,
te inunda por dentro, avanza, te hace oscura:
la noche moja riberas en tu alma.
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Octavio Paz, "Agua Nocturna", in Obra poética. 1990.

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

Paraíso

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Domingos Rego, Jardim ou o Paraíso de Matisse, 2002.
Técnica mista s/ tela, 152 x 183 cm
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com os meus pincéis
e as minhas cores
pinto o paraíso
e sigo...
...

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

Tenho medo

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Ana Medeiros, Tenho medo!, 1991.
Pintura de emulsão s/ acrílico 60x80cm


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tenho medo! tenho medo que o sol te queime
filhinha.
tenho medo! tenho medo que o vento te leve
filhinha.
tenho medo!
..

terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

Margaridas

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dentro de mim
ha um lugar onde vivo só
aí renovo a Primavera
quando colho margaridas
..
..

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

Pássaro cantor

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Mantém uma árvore verde
no teu coração,
e talvez apareça
o pássaro cantor.
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Provérbio chinês.

domingo, 8 de fevereiro de 2009

Mar

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Errantes as palavras, as janelas,
respiração à flor do mar no côncavo da arca,
ombro imenso que não encerra, todo o espaço
como um só corpo onde o vento começa.
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António Ramos Rosa, A respiração do mar.

sábado, 7 de fevereiro de 2009

Chá

...
...
from tea
we draw friendship
and eternity
...

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

Anjo

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Wim Wenders, Asas do desejo.

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Quando a criança era criança
andava balançando os braços.
Desejava que o riacho fosse rio,
que o rio fosse torrente...
e essa poça, o mar.
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Quando a criança era criança
não sabia que era criança.
Tudo era cheio de vida,
e a vida era uma só.
...

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quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

Ausência

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Menez, Sem título, 1967. Acrílico sobre tela, 38x50cm
...
...
Num deserto sem água
Numa noite sem lua
Num país sem nome
Ou numa terra nua
Por maior que seja o desespero
Nenhuma ausência é mais funda do que a tua.


Sophia de Mello Breyner Andresen, Ausência.

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

Figuras? Talvez não.

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Isabel Cardaleira, Sem título, 1996. Óleo s/ papel

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Mulheres
aves
frutos
ou
pedras.
Mais do que isso
ou tudo isso.
..
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terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

Caligrafia

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a pintar
me tornei
escritora
...

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

Mãe

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Picasso, Maternidade.


mãe... mãe... mãe...
sinto-te
... dentro de mim!

...


domingo, 1 de fevereiro de 2009

Pensador

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Mário Botas, Sem título, 1981.
Tinta da china e aguarela s/ papel, 177x260mm